quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

SOCIOLOGIA CRÍTICA, Alternativas de mudança.

Autor: Pedrinho Guareschi

CAPÍTULO II - IDEOLOGIA

O assunto ideologia é tão amplo e tão complexo, que o melhor é começar tentando dizer o que é ideologia, ir dando uns exemplos. Cada um vai, aos poucos, tentando compreender, ver, na prática, como a ideologia acontece.
A ideologia não significa mais o que por sua etimologia deveria significar, isto é, estudo das idéias. Passou a significar coisa bem diferente e a ter uma figura negativa e pejorativa. Acontece que alguns ainda usam a palavra ideologia para significar conjunto de idéias, valores e a maneira de pensar de pessoas ou grupos, isto é, no seu sentido positivo.
Então é preciso distinguir bem. Ideologoa pode significar:
1) O estudo das idéias (sentido etimológico).
2) Conjunto de idéias, valores, maneira de pensar e sentir de pessoas ou grupos (sentido positivo).
3) Idéias erradas, incompletas, distorcidas, falsas sobre fatos e a realidade (sentido crítico, ou negativo).
Daqui pra frente nós só vamos usar a palavra ideologia no último sentido, isto é, como a maneira errada de ver as coisas.
Vamos então distinguir algumas coisas sobre como e porque as pessoas podem ter idéias erradas sobre as coisas. Será que é culpa delas? Quem pode dizer que não tem ideologia?
Para entender isso, é preciso ver como nós ficamos sabendo das coisas e quem é que nos diz as coisas. É preciso ver se aqueles que nos dizem as coisas, não nos dizem apenas metade das coisas, ou só um jeito de ver as coisas.
Você já pensou por que acha que é o que é? Por que se define como, sendo estudante, brincalhão, rapaz, bom jogador de futebol? Quem ensinou para você as palavras, quem deu as definições "estudante", "brincalhão" etc? Aí você começa a ver que nós somos, em grande parte, o que os outros nos dizem, ou acham que somos. E na medida em que nós vamos incorporando e aceitando o que os outros pensam e acham a nosso respeito, nós vamos formando nossa identidade.
É claro que não é só isso que forma nossa identidade. Nós podemos també refletir, tomar cosnciência do processo de como a gente é o que é, e tentar mudar. Mas em grande parte nós ficamos condicionados à influência dos outros, inclusive pelo fato de termos de aceitar a própria linguagem e as definições das coisas que os outros deram.
Agora começa, contudo, a parte mais importante, que nos ajuda entender o que é ideologia. Você acha que todas as definições, todas as explicações das coisas são dadas sempre com sinceridade, procurando sempre dizer a verdade e toda a verdade? Será que por trás das definições das coisas (inclusive do próprio conceito que as pessoas fazem de nós), atrás das explicações que as pessoas dão para as coisas, não há interesse em esconderalgo, em acentuar alguns aspectos e diminuir outros?
Pois é isso que precisamos descobrir. E quando nós chegamos a constatar que as coisas não são exatamente como no-las estão contando, então nós estamos diante de ideologias. Quem é inteligente e vivo fica sempre de olho para descobrir como as pessoas, se não chegam a mentir de fato, ao menos dizem apenas parte da verdade. Vamos dar uns exemplos, que assim a gente vai entendendo melhor.
Conversando com uma empregada doméstica, ela me disse:"Rico é aquela pessoa que sabe poupar". Você acha que isso é verdade? Todas as pessoas que poupam são ricas? E todos os ricos são pessoas que pouparam?
Você pode descbrir que não. Rico é aquele que ganha muito dinheiro. Se você recebe o salário-mínimopode poupar quanto quiser, que não acaba rico nunca. Examinando melhor, a gente vai ver que os grandes ricos, mesmo, são aqueles que são donos de fábricas e terras, que se enriquecem em grande parte com o trabalho dos outros. Nós sabemos (o Papa Leão XIII diz isso claramente) que a única fonte de riqueza é o trabalho humano. Trabalhando, a pessoa pode, então, enriquecer. Mas nunca chegar a ser muito rico. Para alguém ser muito rico, precisa fazer com que os outros trabalhem para ele, precisa pagar parte do trabalho dos outros.

Mas por que, então, se insiste tanto em que se deve poupar, a tal ponto que algumas pessoas acabam acreditando que é poupando que a gente fica rico? Isso é assim ao menos por dois motivos: primeiro, para dar uma explicação para as pessoas que têm pouco, que são pobres; para dizer a elas que são pobres porque não pouparam; os outros são ricos porque pouparam. Aí elas ficam bem quietas e ficam sabendo que a culpa é delas mesmas. Segundo, para que elas, apesar do pouco que tenham, ainda façam, assim ao menos uma poupança, pois pela sua poupança muitos outros vão se enriquecer, principalmente os donos de bancos, cadernetas de poupança etc. Com essa poupança o governo vai poder construir grandes obras, emprestar dinheiro a grandes indústrias, enfim, a poupança do pequeno vai ajudar o grande a ganhar mais dinheiro.
Uma outra frase parecida com essa é a que se ouve seguidamente entre os trabalhadores: "Quem trabalha mais e melhor ganha mais". Você pode ver claramente que essa é uma meia verdade. Ele ganha realmente um pouco mais. Ao mesmo tempo se culpa por ganhar pouco. Acha que ganha pouco porque trabalha pouco e trabalha mal. Ele não percebe que atrás disso há também a lei do salário mínimo, que não depende dele. Mesmo que trabalhasse 24 horas por dia, ainda sairia ganhando pouco. Uma outra afirmação muito comum, que se encontra escrita em colégios, é a seguinte: "Quem estuda, triunfa". Foi feita uma pesquisa entre os jovens e lhes foi perguntado: "É verdade que quem estuda, triunfa?" O resultado foi que 90% responderam sim. Agora, essa afirmação se encontra redondamente desmentida pelos fatos e pela realidade. Em pesquisas, se constatou que a possibilidade de um filho de operário entrar na universidade é de apenas 5%, ao passo que a de filhos de classes mais ricas e profissões liberais é de 80%! O que está escondido na afirmação acima é que quem pode estudar, entrar na universidade, pagar os estudos, JÁ TRIUNFOU!
Se você abrir um jornal, qualquer jornal, vai ver imediatamente muitas meias-verdades, em cada página. Os jornais publicam só o que querem e onde querem.
A gente não pode dizer que eles mentiram. Talvez tudo que está no jornal tenha acontecido. O problema é que o jornal, conforme sua ideologia, seleciona o que quer, combina com o que quer e publica com o que quer. E nós saímos acreditando que o jornal diz toda verdade... Antes de ler o jornal, procure saber que ideologia tem esse jornal...
Você está vendo como o problema de ideologia é complicado e importante? Apenas uma coisinha pra terminar:
- Você já se perguntou se você mesmo não é o que você pensa que é, porque os outros lhe botaram isso na cabeça? Será que você já se deu conta de quem fez sua cabecinha, quem deu a definição de você mesmo para você? Há muita gente que nem sabe quem são seus pais "ideológicos", que é ideologicamente bastardo... Só com muita reflexão e consciência crítica você será realmente você, você será livre, você saberá porque é assim, e essa verdade o libertará.
Gostaria de terminar com um ponto bastante importante. Você já conversou com alguma pessoa pobre, algum favela?
Se você tentar descobrir o que ele pensa dele mesmo, vai ver que a imagem que ele tem de si mesmo é bastante negativa. Ele acha que não presta, que é ignorante, que é mau, que vale menos que o pessoal "de bem", isto é, os que sabem ler e escrever, são ricos, vivem no centro da cidade. Eles, os favelados, são "da vila".
Agora será que isso é verdade mesmo? Os "da vila", "da favela", são os piores, têm menos dignidade que os outros? Ou será que os "do centro", que têm os jornais, as TVs, isto é, que têm "a voz e a vez" não estarão dando a definição negativa e pejorativa para os da periferia? Será que a própria escola, os Meios de Comunicação Social, e até mesmo certas religiões e certos pregadores não estão a serviço dos que têm poder e, para eles se garantirem no poder, não estão tentando dizer para os outros que os das vilas, das periferias não prestam, são menos? Veja você como isso é importante: se você consegue convencer alguém de que ele não presta, vale menos, é ignorante etc., você pode dominar totalmente essa pessoa, pois ela já está dominada "na alma", "na consciência". Ela mesma não vai querer subir, exigir mais, ter os mesmos direitos que outros, pois ela já está convencida de que vale menos! Essa pessoa assim definida e convencida nunca mais vai dar trabalho para as outras pessoas. Ela interiorizou a imagem negativa que fazem dela os que tÊm poder e acabou acreditando na história de que ela, afinal, vale menos mesmo!
Através da linguagem e da comunicação, que também são produções históricas, são transmitidos significados, representações e valores existentes em determinados grupos: é a ideologia do grupo. A reprodução ideológica se manifesta através de representações que a pessoa elabora de si mesma, sobre os homens, a sociedade, a realidade, enfim, sobre tudo aquilo a que implícita ou explícitamente são atribuídos valores: certo-errado, bom-mau, verdadeiro-falso.
A ideologia está presente na superestrutura, que são as instituições políticas, jurídicas, morais. Já no plano pscológico individual, as ideologia se reproduzem em função da história da vida e da inserção específica de cada pessoa.
Essas colocações podem espantar alguém e levá-lo a pensar que não há remédio, que estamos condenados a sermos presas das ideologias. Mas não é assim.
No plano pessoal, o indivíduo pode se tornar consciente ao detectar entre as representações que existem na sociedade ou no plano supertrutural, e as atividades específicas que ele desempenha na produção de sua vida material.
Há uma dominação ideológica que se dá em plano sociológico e ela é detectada pela análise das relações existentes entre classes sociais. A dominação ideológica que se dá no plano individual é detectada na análise das instituições que presquevem os papéis sociais, as funções de cada pessoa, e acabam determinando as relações socias de cada indivíduo.
O processo de conscientização se desencadeia tanto a nível de cosnciência pessoal como a nível de consciência de classe. A consciência de classe é um processo grupal e se manifesta quando indivíduos conscientes de si se percebem sujeitos das mesmas determinações históricas que os tornaram membros de um mesmo grupo. Inseridos nas relações de produção que caracterizam a sociedade num dado momento. Isso pode levar a um processo de conscientização de sim e conscientização social. De outro lado, o indivíduo consciente de si necessariamente tem também consciência de pertencer a uma classe. Mas enquanto indivíduo , esta cosnciência se processa transformando tanto suas ações como a ele mesmo.
Os dois níveis deverão estar interligados. Poderá existir um indivíduo consciente num grupo alienado, mas essa posição é dolorosa e não é sustentável por muito tempo. Cedo ou mais tarde ele precisará se decidir.